Sob Pressão: Grey's Anatomy da Globo foge do glamour das séries de TV americanas
Um dos maiores problemas do longa-metragem Sob Pressão, dirigido por Andrucha Waddington e que deu origem à série que estreou na Globo em 25 de Julho (depois de começar antes, no dia 18, na GloboPlay), é que toda vez que tenta dramatizar as vidas e os passados de seus protagonistas, o roteiro se afasta de seu objetivo maior e falha como cinema. A história, que mostra como é dura a rotina de um hospital público do Rio de Janeiro, sente uma tola necessidade de dar panos de fundo emocionais a personagens que se debatem contra a “novelização” alcançada por esse recurso. Talvez por isso o produto se entenda melhor com a linguagem seriada, que bebe nas fontes da telona e da telinha, mas segue seus próprios dogmas.
Júlio Andrade, que vive o atormentado Dr. Evandro, protagonista do show, afirmou ao Omelete no evento de lançamento da série, que “ improviso constante” é a lei dentro daquela unidade médica suburbana. Hesitante em apontar referências, ele cita The Knick e diz que as pressões que seguem a trajetória tanto do personagem quanto do ator, são construídas de forma a provocar uma imensa catarse: “Sou movido a desafios”, diz ele. E o desafio maior tanto do ator, quanto do personagem, é buscar essa voz original dentro de uma mar de pontos de identificação do público que a emissora que alcançar, o público das séries de TV.
Marjorie Estiano, que vive a Dra. Carolina, falou sobre “realidade”, sobre como as notícias de jornal – impressas ou não – constituem uma visão quase translúcida dos problemas, das tragédias. Sob Pressão teria nascido como uma maneira de trazer do fundo da cena as questoes que são realmente importantes para uma vida, mesmo que aquela vida não saiba o que a espera logo adiante. Essa fator é preponderante para montar o ideal desse programa: ainda que remeta a Grey's Anatomy, House e ER, a série não se passa no desinfetado ambiente super glamourizado dos hospitais vistos nesses shows. Apoiado no próprio título, Sob Pressão – A série, continua errando nas doses de drama, mas ao menos agora muito mais coerente com o apelo que ambiciona.
Sob a pressão do sentido
Em sua entrevista conosco, Estiano disse que cada médico tem seu próprio mecanismo de proteção contra os efeitos emocionais da perda. Assim, faz sentido as jornadas de Carolina e Evandro se encontrem em meio a tantos pontos de tensão. Ela esconde algum transtorno e ele assume que está sem controle, mas apenas para si mesmo. A série de TV vende a ideia de que eles vão se curar através do amor e justamente por conta de seu parentesco seriado, a decisão dramatúrgica já não soa tão deslocada. Ambos são complexos em pulsações opostas, mas se atraem pelo que há por trás da dor.
Afoita para conquistar o espectador, Sob Pressão desloca seus pontos fortes atrás de um romance. Afoita para ser “realista”, Sob Pressão não se entende com a verossimilhança. Porém, é como se Evandro encontrasse em sua escuridão pessoal, uma justificativa para seu egocentrismo profissional. A rotina cruel do hospital exige os improvisos, mas Evandro toma decisões baseadas única e exclusivamente na própria vontade. Entre uma dose e outra, lutando para não dormir, ele se deixar levar por emoções que o guiam nas piores direções sempre. Julio Andrade mergulha no personagem tão de cara que basta apenas um episódio para deixar claro que Evandro exala suas obsessões em todas as frentes.
O romance entre médicos, apelo visual forte, papos entre os pacientes... Tudo lembra um pouco velhos conhecidos nossos da TV. Já a câmera nervosa, a crueza de impedimentos que ameaçam vidas, tudo isso afasta Sob Pressão do glamour da medicina em séries americanas. Em dado momento, o personagem de Emiliano Queiroz diz: "Eu não posso levantar para caminhar, vão tomar a minha maca", e é como se essa frase resumisse a constante luta da instituição para se manter de pé, mesmo com a falta de praticamente tudo. Os pacientes pelos corredores, as doenças terminais expostas, a simples dor... O clima é sombrio e o pessimismo é constante, mas exatamente por ser série que os clichês perdem um pouco de seu fator determinante e encontram um conforto nas expectativas do espectador.
Em 9 episódios Sob Pressão tem elementos de catarse muito eficientes e as dedicadas atuações de seu elenco reforçam a atmosfera de qualidade. A Globo lançará a série fazendo um inteligente trabalho documental sobre a rotina de médicos ao redor do Brasil e que será exibida nos intervalos dos episódios. Contudo, ao passo em que socialmente a série pode acabar provocando importantes discussões e reavaliações sobre o sistema público de saúde, sua necessidade de ser “romanticamente acessível” pode enfraquecer seu discurso. Ainda assim, o resultado final é interessante, provocador; e vale uma conferida.
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